LUIZ VAZ DE CAMÕES


- Canção 2 -
l
A instabilidade da Fortuna,
os enganos suaves de Amor cego,
(suaves, se duraram longamente),
direi, por dar à vida algum sossego;
que, pois a grave pena me importuna,
importune meu canto a toda a gente.
E se o passado bem co mal presente
me endurece a voz no peito frio,
o grande desvario
dará de minha pena sinal certo,
que um erro em tantos erros é concerto.
E, pois nesta verdade me confio
(se verdade se achar no mal que digo),
saiba o mundo de Amor o desconcerto,
ue já co a Razão se fez amigo,
só por não deixar culpa sem castigo.
j
Já Amor fez leis, sem ter comigo algüa;
já se tornou, de cego, arrazoado,
só por usar comigo sem-razões.
E, se em algüa cousa o tenho errado,
com siso, grande dor não vi nenhüa,
nem ele deu sem erros afeições.
Mas, por usar de suas intenções,
buscou fingidas causas por matar-me;
que, para derrubar-me
no abismo infernal de meu tormento,
não foi soberbo nunca o pensamento,
nem pretende mais alto alevantar-me
daquilo que ele quis; e se ele ordena
que eu pague seu ousado atrevimento,
saiba que o mesmo Amor que me condena
me fez cair na culpa e mais na pena.
k
Luis de Camões

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